Como muitas vezes um determinado microrganismo possui um sistema enzimático específico, promovendo transformação bioquímica específica, as provas bioquímicas podem ser utilizadas na prática para a sua caracterização, como você acompanhou nas postagens anteriores sobre Identificação de Cocos Gram +, Identificação de Enterobactérias e Bacilos Gram negativos não fermentadores.
Veremos agora qual o princípio e as principais reações químicas que acontecem nos principais testes bioquímicos.
Produção de catalase
Esta enzima atua sobre a água oxigenada (peróxido de hidrogênio 3 a 5%) transformando-a em oxigênio e água. A prova é feita colocando uma gota de solução aquosa de peróxido de hidrogênio a 3-5% numa lâmina e, em seguida, com uma alça de platina, colocar uma porção do crescimento bacteriano sobre a gota. Ou de outra forma, adicionando-se 0,5 ml da mesma solução a uma cultura em meio líquido ou em ágar inclinado. A prova é considerada positiva quando há borbulhamento ou efervescência devido à liberação do oxigênio. A catalase é produzida por muitos microrganismos e é usualmente empregada para diferenciar Staphylococcus, que são catalase positivos de Streptococcus, catalase negativos, ou os bacilos Gram positivos catalase negativos Lactobacillus e Erysipelothrix de Listeria e a maioria dos Corynebacterium catalase positivos.
Prova da citocromo-oxidase
Este sistema enzimático está relacionado com os citocromos da cadeia respiratória de alguns microrganismos. A prova consiste em colocar uma gota do reagente incolor tetrametil p-fenileno de amina, recém preparado e protegido da luz, em um papel de filtro. Em seguida, várias colônias do microrganismo em estudo são espalhadas sobre a área do papel de filtro contendo o reagente, utilizando uma alça de platina ou um bastão de vidro. A prova é considerada positiva quando na mistura do reagente com a massa bacteriana desenvolve-se a cor púrpura em até 1 minuto (ou de acordo com as instruções do fabricante da tira de papel filtro). Na reação negativa não há desenvolvimento de cor púrpura. As enterobactérias são oxidase negativas e podem ser diferenciadas de outros bacilos Gram negativos. A prova pode ser feita também em culturas em meios sólidos, adicionando-se o reagente oxalato de p-aminodimetilanilina. A reação inicia-se com o desenvolvimento de cor rósea, marrom e finalmente uma coloração negra na superfície das colônias é indicativa da produção de citocromo-oxidase, representando um teste positivo. O teste é negativo se não ocorrer alteração da cor ou houver o desenvolvimento de uma cor rósea pálida
Utilização do citrato como única fonte de carbono
Alguns microrganismos como a E. coli não possuem a permease do citrato, que faz o transporte do citrato para o interior da célula, não conseguindo portanto crescer no meio contendo como única fonte de carbono o citrato, embora possuam as enzimas, intracelulares, que degradam o citrato. A prova é feita semeando-se a bactéria no meio sólido inclinado de citrato de Simmons, contendo azul de bromotimol como indicador, o qual em pH 6,8 a 7,0 apresenta-se verde. A prova positiva resulta no transporte do citrato pela permease e a sua utilização pela enzima citratase resulta na formação de oxaloacetato e acetato. O consumo do citrato induz a clivagem do fosfato de amônia, alcalinizando o meio. Também, com o metabolismo do citrato há formação de carbonatos que alcalinizam o meio, de modo que a cor do indicador vira para azul. Na prova negativa o meio não se altera pois não há crescimento microbiano. Por esse motivo a inoculação deve ser feita com agulha e em linha reta para não haver influência de ingrediente do meio de onde se originou a cultura, dando resultados falso-positivos.
Prova da produção de urease
A urease é uma enzima que degrada a uréia em duas moléculas de amônia e uma de anidrido carbônico. A prova consiste em transferir uma porção do crescimento bacteriano com uma alça para o meio contendo uréia, pH neutro e um indicador de pH, o vermelho fenol. Após o crescimento a prova é revelada positiva quando a urease ataca a uréia alcalinizando o meio que toma a coloração rosa choque. Na prova negativa não há alteração da cor do meio. Os organismos do gênero Proteus são urease positivos, diferentemente da maioria das enterobactérias.
Prova da produção de indol
O indol é resultante da degradação do aminoácido triptofano pela enzima triptofanase. A prova é realizada inoculando-se o meio contendo excesso de triptofano. Após a incubação colocar 0,5 ml do reagente de Kovac ou o reativo de Ehrlich (solução aquosa ou alcoólica de p-dimetil aminobenzaldeído, respectivamente) através da parede interna do tubo. A prova é positiva quando na porção superior, i.e. na interface da cultura e o reagente, desenvolve-se um anel de cor rósea dentro de no máximo 5 minutos. Este resultado é devido à complexação do indol com o aldeído, em meio ácido, formando o composto colorido. A prova é negativa com qualquer outra tonalidade de cor (original do meio ou marrom).
Prova da produção de gás
sulfídrico ou sulfeto de hidrogênio
Existem duas vias fermentativas principais através das quais alguns
microrganismos podem produzir sulfeto de hidrogênio. Pela primeira via, o gás
sulfídrico é produzido por redução do enxofre orgânico presente no aminoácido
cisteína (reação de hidrogenação), o qual é um componente das peptonas contidas
no meio. Essas peptonas são degradadas pelas enzimas microbianas a aminoácidos.
Através da ação da enzima desulfurase da cisteína o aminoácido cisteína
perde o átomo de enxofre, que por sua vez é reduzido pela adição de hidrogênio
da água para formar o gás sulfeto de hidrogênio, conforme ilustrado abaixo. Uma
tira de papel de filtro impregnada com solução saturada de acetato de chumbo é
colocada suspensa sobre o meio contendo o aminoácido sulfurado. Esteriliza-se o
meio, inocula-se com a cultura teste e incuba-se apropriadamente. Na prova
positiva, o H2S produzido é volátil e incolor, mas ao reagir com o
acetato de chumbo forma-se sulfeto de chumbo, que enegrece a extremidade do
papel de filtro. Na prova negativa a fita permanece branca.
Pela segunda via, o gás
sulfídrico também pode ser produzido pela redução de compostos inorgânicos de
enxofre tais como o tiossulfato, sulfato ou sulfito. Os microrganismos capazes
de produzir a enzima redutase do tiossulfato convertem o tiossulfato em sulfito
com liberação de sulfeto de hidrogênio. Os átomos de enxofre atuam como
aceptores de hidrogênio durante a oxidação do composto inorgânico conforme
abaixo. Para esse teste pode ser empregado o meio de TSI (tríplice sugar and
iron) ou o de meio de SIM (sulfito, indol e motilidade). Utilizando o meio de
SIM, que tem o tiossulfato como fonte de enxofre e o sulfato ferroso como
indicador da produção de sulfeto de hidrogênio. O meio é semi-sólido para
permitir a respiração anaeróbia. Nesse caso, inocula-se o meio por punctura e
incuba-se em aerobiose por 24h a 35oC.
Prova da fermentação de
carboidratos: ágar TSI (Triplice Sugar and Iron)
Envolve a utilização de um meio com
glicose e outros açúcares (lactose e sacarose) e um indicador de pH.
Enterobactérias produzem ácido e gás da fermentação da glicose
(exceto Shigella, que só produz ácido).
O meio de TSI fornece uma série de reações bioquímicas que dão uma visão geral do metabolismo bacteriano. Por esse motivo, vamos apresentar esse meio e as transformações que ocorrem. O TSI ou tríplice açúcar e ferro é um meio sólido distribuído de tal sorte que apresenta uma base e uma inclinação. É constituído de glicose (0,1%), lactose (1,0%) e sacarose (1,0%), peptonas, aminoácidos, incluindo sulfurados, tiossulfato de sódio e citrato férrico amoniacal (indicador da produção de H2S), com pH neutro e um indicador de pH, o vermelho de fenol. O meio é semeado com agulha por punctura na base e estrias na superfície. Após o crescimento da bactéria pode-se observar os seguintes resultados: A bactéria não fermenta qualquer dos açúcares, ficando inalterado o meio, ou até mesmo utiliza os aminoáçidos respirando-os com produção de aminas que alcalinizam o meio; fermenta somente a glicose de tal sorte que os ácidos formados mudam o pH do meio apenas na base, que se torna amarela e a inclinação vermelha por utilização dos aminoácidos (por respiração), alcalinizando a mesma e neutralizando a pequena quantidade de ácidos, pois a concentração de glicose é baixa - assim o resultado é expresso como K/A (inclinação alcalina e base ácida); fermenta a lactose ou a sacarose com viragem do indicador de todo o meio para amarelo, tanto a base como a inclinação permanecem ácidas, pois os álcalis produzidos na inclinação são facilmente neutralizados pela grande quantidade de ácidos produzidos na base, tendo em vista que a concentração desses açúcares é dez vezes maior que a da glicose - o resultado é expresso como A/A (inclinação e base ácidas). Nos dois últimos casos, existe a possibilidade de detectar gases resultantes da degradação do ácido fórmico em hidrogênio e anidrido carbônico, se a bactéria possuir o sistema hidrogênio fórmico liase - os gases são indicados ou visualizados indiretamente por levantar ou fragmentar o meio - o resultado é representado como A/A com gás. Há também a possibilidade da bactéria produzir H2S por respirar anaerobiamente o tiossulfato, captando elétrons através da tiossulfato redutase, resultando em gás sufídrico e sulfito. O sulfeto de hidrogênio na presença de sais de ferro forma sulfeto ferroso, originando um precipitado negro insolúvel - dessa forma o resultado é dado como A/A com gás e H2S.
Desse modo, pode-se observar num único meio os processos fermentativos, respiração aeróbia e anaeróbia. A utilização dos açúcares e aminoácidos na inclinação se dá apenas por respiração aeróbia, enquanto que na base os processos são realizados por fermentação (incluindo também putrefação, quando da utilização dos aminoácidos básicos, sulfurados, triptofano, com produção de gás sulfídrico, mercaptanas, aminas, dentre outras). Já a utilização do tiossulfato é ocorre por respiração anaeróbia, gerando também gás sulfídrico.
As Pseudomonas (assim como todos os BGNNF) não fermentam
carboidratos, logo, não alteram a coloração original do TSI.
As diversas variações do TSI após a devida incubação pode evidenciar produção de H2S, não-fermentação de glicose, fermentação de 1, 2 ou 3 açúcares, produção de gás carbônico, etc.
As interpretações seguem conforme:
a) Fundo alcalino (vermelho) e pico alcalino (vermelho) - ausência de fermentação dos carboidratos;
b) Fundo ácido (amarelo) e pico alcalino (vermelho) - fermentação apenas de glicose;
c) Fundo ácido (amarelo) e pico ácido (amarelo) - fermentação de glicose e lactose; ou glicose, lactose e sacarose.
d) Presença de espaços vazios incolores - produção de gases.
e) Presença de substâncias negras - produção de H2S.
f) Ausência de alterações - bactéria não-fermentadora.
OBS.: Caso a bactéria produza H2S e dificulte a visualização do fundo do tubo, o mesmo deve ser considerado ácido (amarelo) , indicando que houve fermentação de pelo menos um carboidrato, visto que isso seria necessário para que a bactéria promovesse a produção do gás.
OBS.: Caso a bactéria produza H2S e dificulte a visualização do fundo do tubo, o mesmo deve ser considerado ácido (amarelo) , indicando que houve fermentação de pelo menos um carboidrato, visto que isso seria necessário para que a bactéria promovesse a produção do gás.
Prova
da Motilidade
A prova da motilidade indica indiretamente a produção de flagelos. Não é uma
prova bioquímica e sim fisiológica, mas auxilia a identificar bactérias. A
prova é efetuada inoculando-se em linha reta, através da técnica da punctura
(com agulha), 2/3 de um meio semi-sólido (por exemplo o SIM). A prova indica motilidade quando os
microrganismos crescem deslocando-se da linha de inoculação, turvando o meio. A
prova é negativa quando os microrganismos ficam restritos ao local da
inoculação sem, contudo, turvar o meio.
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